quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Filho de peixe, peixinho não é

O fulano bebe o cão. Vira macho e enche os outros de sermão. Ele acha que tem razão em tudo e que o resto é resto e nada mais interessa a não ser suas opiniões, pois elas são únicas.
O homem acha que bebendo, vai curar as mágoas e os sofrimentos que sente por ser testemunha das atitudes de seu filho porra-louca. Ele acha que beber resolve tudo.

Simples, bebe uma 51 e enche cem por cento os outros de desaforo. Ganha coragem.

Na noite de quinta-feira ele encheu sua cara de cachaça e saiu para a rua.

Resolveu ir até a sua irmã, que sempre quando fala com ele num estado como esse, concorda com tudo, pois pessoa alcoolizada é chata quando recebe verbos contra. Chegou com aquele "sorriso" na cara e o filho dela logo percebeu a tamanha "felicidade" da criatura. Ela o beijou no rosto. O filho apertou sua mão e o abraçou.
Sentiu no gogó do véio aquele bafo de álcool.
No momento seguinte ele sacou quarenta conto de seu bolso e deu a irmã dele, na companhia de palavras:
- Mana, tenho só isso. Sou pobre. Recebo muito pouco. Só R$450.
- Acredito sim, Mano.
O filho da mesma só observava até quando a criatura começou a falar em ritmo de canto:
- Euuuuu ganhooooo só R$450 por mêssssss. Estou sofrendo por causa de meu filhoooooooooooooooo. Ele não aproveita a oportunidadeeeeee que temmmmmmmmmmmm. Não quero saber mais deleeeeeeeeeeeee.
- Esse foi o caminho que ele escolheu. O senhor não deve sofrer por isso, pois quem escolheu esse caminho negro na vida dele foi ele - disse o filho da irmã.

Enquanto ele e seu sobrinho se olhavam nos olhos, por alguns instantes, fora ficar pra frente e pra trás com o corpo. Ele não chegou a cair no chão.

O bebum é enfermeiro. Está para se aposentar. Na brigada militar do estado do Rio Grande do Sul ele fora sargento. Está aposentado. Nos seus momentos de loucura ele bebe para tentar esquecer as amarguras da vida. Ele fora continuar na casa de sua irmã por meia hora. Ficaram ele e seu sobrinho dialogando. O sobrinho fora mostrar-se consciente das palavras que falava e das idéias que tinha, enquanto seu tio beirava na porta da ignorância:
-Sim esse é o caminho que ele escolheuuuuuu. O Felipe anda me deixando com a cabeça quente. A minha irmã, eu gosto muito dela. Ela é a única mulher no meio de quatro homens, todos irmãos. É a minha mana. Eu defendo ela.
A irmã respondeu:
- Sim, meu filho, teu tio deu casa para todos nós irmãos. Ele veio pra Porto Alegre e trouxe todos com ele. Nunca se negou com nada.
- Eu sei disso, mãe.
- Ele batalhou e tem o que tem na vida, porque sempre batalhou. Nós no interior não tivemos a oportunidade que os jovens de hoje em dia tem em poder estudar, trabalhar e passear. Nós trabalhávamos o fim de semana adentro. Era horrível, filho.
- Eu sei disso mãe. A senhora sempre nos contou isso e tenho toda a fé no que a senhora me diz, pois vejo perfeitamente nos seus olhos os fatos.
A irmã do mesmo sorriu.
- Esse teu filho, é único. Já os teus irmãos, ficam bebendo na rua, ficam ali na frente da minha casa com os amigos enquanto tu ficas só do lado dela. Te admiro por isso.

Seu sobrinho, ficou impressionado, enquanto ouvia o seu tio falar. Mas resolveu mudar o clima e acabou respondendo:
- Isso é culpa dos livros. Aprendi com eles que não se perde tempo com coisas fúteis.
- Esse teu filho é inteligente e trabalhador.
- Mas tio, os guris podem beber na rua, podem aprontar das deles, mas eles são conscientes e todos aqui dão a devida atenção para a mãe. Eles sabem o que é certo e o que é errado. Sabem muito bem se estiverem com as cuecas cagadas, estarão fedendo a merda. Quanto ao teu filho ele escolheu esse negrume para a vida dele, pois ele quis. Creio que o senhor fez o que tinha que fazer.
- O meu filho ganha bem. Pode até viajar de avião.
- Mãe, se eu ganhasse bem, eu não estaria aqui. E em breve vou ter meu cantinho, pois ficar para sempre puxando sua blusa enquanto tu caminhas, não dá. Vim para este mundo viver a minha vida. Construir uma história. Viver um destino.
- Mano, quando algum deles quiserem sair de casa; acharem que devem sair, não voltam mais.
- Mas isso é da vida - responde o tio.
Certo momento um silêncio. Seu tio avança em direção do sobrinho e o abraça. Fedendo a pinga.
- Tenho orgulho de seu filho, mana. O Felipe eu não quero saber dele. Nem papo!
Seu tio começa a conversar novamente com seu sobrinho. Próximo da geladeira seu sobrinho se encontra. O tio alcoolizado começa a bater com a mão fechada na porta da mesma, e a dizer,como se quisesse dar um murro na cara do sobrinho, coisas:
- Mas tu lê demais. Sabe Froídi?
- É Freud!
- Ele dizia assim assim que se batesse na porta com a mão fechada, tu ias sentir a dor. Quem sente a dor? A porta ou tu?
Numa revolta total, seus olhos brancos de álcool brilharam com uma intensidade que deixaram a irmã e filho apavorados.
- A porta senti a minha mensagem?
O sobrinho fora ficar quieto e a só observar as ações de seu tio. Enfim ele responde:
- Ah, entendi...
- Isso, pois isso é material. Então tu não deves ler e mergulhar nos livros. Froídi pensou tanto tanto e não viveu a vida.
- Tio, o verdadeiro conhecimento está nos livros. O que penso, o que acabo conhecendo, é através dos livros.
Ficou quieto.
Logo disse:
- Vou pra casa, pois bêbado só fala besteiras. Vou dormir.
- Tio, na educação é que está o caminho. Na educação!
Seu sobrinho com a mão esquerda apertou a mão de seu tio, e tocou de leve nas suas costas, demostrando respeito. Foi embora e não voltou naquela noite.
- Filho, ele abandonou o Felipe. Nunca, "nunca" eu abandonei vocês por isso ou por aquilo.
- Ele nunca soube educar seu "filhinho", agora vem aí querer falar dos meus irmãos, que não chegam aos pés da sua criação.- disse o filho dela.
- Ele vem aí e diz isso e aquilo, mas apóia o Felipe sempre com uma grana. Daí o guri compra uma maconha e queima ela durante um dia inteiro e depois volta para o pai dele para pedir mais e mais grana. Teu tio dá sempre um dinheiro pro Felipe.
- Um homem barbado que não tem o respeito consigo mesmo. Acha que "beber" e sair na casa dos outros e querer puxar a orelha de quem não tem nada a ver com o que ele vive com seu filho, vai concertar o erro. Não quero saber de meu tio aqui. Ele pode aparecer no outro dia com a cara limpa, mas para mim e para nós, irmãos, ele não existe mais. Quero distância deste cínico.

No sábado à tarde o seu filho aparece na sua casa:
- Oi, pai!
- Oi, filho!

Marcos Seiter

9 comentários:

Luifel disse...

Cara,

só posso dizer q o seu conto é quase um conto "à clef", pois é exatamente o que acontece atualmente. Pessoas, sem qql moral querem dar 'lição de moral' nos outros...

Como dizem os meus pais e os meus avós: "o macaco senta no próprio rabo pra falar mal do rabo do vizinho".

Ele só esquece que tudo o que vai volta, seja sóbrio ou bebado.

Abção velho!

Kari disse...

Li e reli essa crôncia algumas vezes. Pensei em um monte de coisas...
Sabe que eu acho que um bêbado nunca fala besteiras? Acho que ele fala aquilo que não tem coragem de dizer quando está sóbrio. Talvez aquilo que tanto o machuque ou angustie, ou simplesmente não gosta. Talvez ele queria desistir do filho, não por querer desistir mesmo, mas por não saber mais como ajudar, por não conseguir e se sentir, a cada instante, incapaz.
E, quanto ao filho, também não acho que tudo seja culpa do pai. Acho que, recebemos a educação caseira e tal, mas, chega um momento em que você tem que tomar decisões pra seguir e você vai tomá-las sozinho, independente do que aprendeu ou não.
A uns meses, conversando com meus pais eu disse que não achava que tudo que eu fazia de errado era culpa deles, pois foram decisões minhas, independente do que eles me ensinaram. Quer dizer, o que eu tinha que aprender, já aprendi e vou aprender ainda, mas, algumas muitas coisas que faço, são unicamente responsabilidade minha!

Caramba. Viu como uma crônica mexe com uma cabeça? Desculpa falar tanto, mas faz dias penso sobre isso...

Um beijão em tu!

Camila disse...

Infelizmente esta história acontece em alguns (se nao muitos) lares brasileiros, né?! E do mundo tbm.
Seu texto ficou perfeito, condizente com a realidade.
Parabéns.
Beijooo

Ps. Ainda irei lhe mandar o e-mail, basta encontrar um pouco de tempo! =D

Alexandre Lucio Fernandes disse...

É um retrato tão triste do que acamos vendo por aí. Do filho que segue um caminho errado e o pai que fica crucificando-o mas ao mesmo tempo ajudando-o nisso.
No final das contas, acho que sóbrio ele não tem coragem de julgar e atingir o filho, e acaba dando dinheiro. Bêbado ele diz o que acha de verdade, e talvez o que a sobriedade esconde.

Bem conflitante essa relação.

Belo texto
:)

Lais Camargo disse...

tem um ciclo que nos prende,
tem um karma que nos persegue,
mas talvez tenha um darma que nos liberte,
e um olho a mais pra ver o mundo em todas as dimensões ocultas...ah, o comodismo, o modismo, e o neologismo...
suas histórias que refletem o Ser de tantos outros seres...
um ótimo domingo querido,
sopros d luz e beijoss

Érica disse...

Primeiro eu acho que um bebado quando fala suas besteiras, na realidade esta expondo suas inquietações. Não consegue administrar o que venha sair pela boca, mas ainda assim, as diz. As vezes é impertinente, quase sempre incoveniente, mas na maioria apenas alguém "afogando" a magoa do mundo. Segundo é que um pai, mesmo bebado, se tiver dentro de si um pouco de sentido de pai de verdade, nunca abandonaria seu filho. Quando estamos magoados e feridos, dizemos coisas pra acalmar a dor, só isso. Depois da ressaca, tudo volta ao normal.

Beijão.
:)

Kari disse...

Passei rapidinho só pra dizer que amei teu blog novo!!!!

Beijão em tu!

Nanda Nascimento disse...

Excelente! As pessoas se sentem mais consoladas quando encontram no próximo o reflexo dos seus erros, é confortável.
Lembrei na leitura de uma frase do filme o Gladiador: "A suas falhas como filho foram minhas faltas como pai."

Uma excelente semana!

Beijos e flores!!

Carol Xavier disse...

Obrigada pelo comentário o Ben.
Voltei a atualizar o blog e tem continuação do conto.
Voltarei para te ler!

Beijos ;*