segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Dona Mary


Arte de René Magritte

Manhã nublada. Chuva molhando a terra. Ar úmido.
Ótima manhã para dormir até o meio-dia, quem sabe até a tarde.

Mas não fora acontecer isso comigo. Tinha que levar pela manhã, para minha amiga Eda, três livros que prometi à ela. Acordei às 08h30, como combinado com o despertador do meu celular. Sai de casa era 09h45. Pingos de chuva molhavam a terra felizes da silva. Gosto de observar a chuva. Desde guri a observo. Sem medo e sem preconceito.

Peguei o ônibus logo quando cheguei na parada, e o caminho foi rápido até a minha amiga. Chegando lá, dei um "Bom dia!" ao Seu Horácio, uma criatura carismática e muito educada. Conversamos um pouco sobre leitura.

- Sabia que eu não queria aprender a ler?
- Por que Seu Horácio?
- Porque lá no interior um conhecido meu ganha muito dinheiro sem saber ler. Eu trabalhava na roça e resolvi estudar. Entrei no ginásio cedo. Pulei da primeira para a quarta série. E naquela época tive a oportunidade de entrar para o ginásio. Muitos me perguntavam como eu tinha conseguido passar e eu respondia: estudava. Aprendi a ler sozinho. Peguei um livro e comecei a ler de repente. Mas não queria ter aprendido a ler. Esse meu amigo, não lembro do nome dele agora, não sabe ler e ganha muito dinheiro. Para ele não interessa quem é o presidente da república. Ele ganha muito dinheiro. As máquinas trabalham por ele.
Enquanto ele falava, um senhor de óculos, cabelos compridos e com a jaqueta do Grêmio o olhava, espantado.

- Seu Horácio. Isso é competência desse seu amigo.
- Tô falando isso para esse guri, pois ele é um devorador de livros. Lê muito e fico feliz por ele. Mas eu não queria ter aprendido a ler - falou Seu Horácio para o senhor com a jaqueta do Grêmio.

De repente chegou no consultório da minha amiga (ela é cirurgiã dentista) uma senhora simpática, atrás do portão de grades, qual é uma forma de segurança encontrada(porta ao ar livre, jamais!), dando "bom dia!". Retribui o mesmo com uma sonoridade sincera. Pois o que eu ouço de murmúrio em "bom dia!" e "boa tarde!" é como se as pessoas fossem verdadeiras múmias. Elas com sangue quente correndo pelas veias, desrespeitam uma atitude de respeito.

Seu Horácio abriu o portão para ela e a mesma se dirigiu ao acento. Sentando-se ao meu lado. Era Dona Mary. Seu Horácio me apresentou a ela. E ela a mim. Seu Horácio com a mais pura naturalidade, disse:

- Esse guri é um devorador de livros. E aqui eu tenho uma artista, gosta de tocar piano.
- É! - eu completava.
- Aqui tenho dois artistas. Esse guri ele adora ler.
- Muito bom! - disse dona Mary.
- Sim. Gosto muito! E também escrevo.
- O que tu escreve?
- Poemas.
- Mas só poemas? Escreve contos?
- Escrevo poemas e contos. Se bem que contos e ficção, eu acho, mesmo que os personagens sejam imaginários, creio que o autor viveu aquilo. Ele escreve o que realmente sente. Há dois anos que escrevo. Tenho um blog. Há dois anos também que resolvi me entregar para a leitura. O que me levou a ela foi a solidão, a angústia que senti por ter terminado um namoro. Senti-me triste. Então comecei a ler e ali encontrei que a vida vale a pena.
- É - a dona Mary murmurava.
- A depressão pode levar a morte. Tive sorte que a angústia me pegou e me levou para a leitura e a escrita.
- Sempre um fato triste para despertar o dom de uma pessoa - disse dona Mary.
- Esse rapaz eu conheço desde quando ele era gurizote. Então eu posso falar com essa liberdade. Ele é duma família humilde. Seus irmãos não gostam de ler?
- Não! Mas em casa existem verdadeiros artistas. Esses dias peguei minha mãe escrevendo num caderno. O meu irmão André, do meio, pois somos três irmãos, é outro que eu vejo que ele tem um interesse pela leitura. O César, eu sei que ele até agora leu para valer Bruna Surfistinha, com "O Doce Veneno do Escorpião". Infelizmente o que falta neles é força de vontade.
- Isso mesmo. Força de vontade. Infelizmente o jovem de agora não se interessa por ler - opinou dona Mary.
- O jovem de agora pensa em ver só TV - disse seu Horácio.
- Convidei minha nora para sair esses dias e ela disse: "tenho que ver novela" - aos risos dona Mary dizia-me.
- É, isso que não dá pra entender nas pessoas. Qual é a graça em ver novela?
- Qual é o teu nome?
- Sadi ou Marcos, me chamam por esses nomes. *risos*
- Escrever é algo especial. Tu deves divulgar teu trabalho.
- Divulgo em meu blog. Sei que um poema meu foi publicado no "portopoesia". O evento que aconteceu semana passada aqui em Porto Alegre.
- Mas tu tem que dilvulgar! Conheces "A casa do Poeta rio-grandense"?
- Não!
- Fica ali na Venâncio Aires. Ali...
- Depois do Bar do Beto?
- Isso! Bem próximo do Hospital do Pronto Socorro. Aparece lá que te apresentarei a alguns editores. Pessoas queridas. Lá eu toco piano. Tu lê poemas?
- Sim!
- Leva os teus poemas para ler. Lá se reúnem alguns poetas e eles lêem poemas. É um ambiente lindo. Todo primeiro dia de cada mês eles se reúnem. Aparece. Pega o meu telefone para a gente se falar e emprestar um para o outro obras.
- Sim. Vou ir sim! Eu ligo para a senhora.
- Liga querido.
- Tá aqui os livros minha querida- entreguei-os a minha amiga.
- Foi um prazer conhecer a senhora. Dona Mary.

2 comentários:

Luck Siqueira disse...

Vai em frente poeta. Não deixe que esse talento que caregas consigo esmoreça com o passar do tempo e as agruras da vida. Use-as como combustível para cada vez mais produzir poemas, o que já faz com maestria.

Abraços, Marcos!

Kari disse...

É tão bom quando a gente encontra casualmente pessoas assim, né?
Concordo com o Luck, vai em frente, meu bem. Conhecer outros poetas será maravilhoso...

Ah! Espero que a tua amiga goste dos livros...

Beijão em tu